Volnei Pereira Garcia * Diretor da Cedem Consultoria e Consultor de empresas familiares
Discutir os fundadores implica assumir um duplo papel: de um lado, está a minha admiração por esses homens que, certamente, são extraordinários - muitos deles tendo iniciado seu negócio do “zero” e atingido destaque no ambiente empresarial - e fazer-lhes uma verdadeira homenagem pelo que são e pelo que fazem. De outro, numa abordagem construtiva, analisar as principais questões com as quais se deparam esses homens, após terem atingido o sucesso. Coloco dessa forma, pois penso que o entendimento e a compreensão da sua dinâmica podem facilitar a identificação de situações e caminhos que contribuam para o enfrentamento dos desafios com os quais se deparam.
Mas, quem são os fundadores? Certamente são, entre outras coisas, realizadores. Homens que têm o impulso, a vontade de realizar, aliada à disposição para o risco (é verdade que muitas vezes, no início, não têm o que arriscar, a não ser a própria sobrevivência). Na linguagem do nosso caro J. L. Santana, juntam a essas duas características o que ele chama de competência empresarial, isto é, a capacidade de enxergar oportunidades (necessidades) e desenvolver soluções que atendam a essas necessidades.
Numa análise mais psicológica, vamos identificar que, antes de outras coisas, buscam suprir suas próprias necessidades, especialmente a de adquirirem, pelo que se propõem a construir e constroem, reconhecimento – uma identidade. Nesse aspecto não são diferentes de qualquer outra pessoa, porém escolhem caminhos que, pela dimensão dos feitos, tornam-se muito visíveis diante da sociedade – construir uma empresa, que gera muitos empregos, que economicamente se torna importante, que influencia toda uma comunidade. São muitas as histórias de sucesso a serem contadas e, nesse aspecto, cabe, por parte dos estudiosos, “ mea culpa”, pois a maioria das publicações enfoca a problemática do empresário e da empresa familiar, especialmente o que sai na imprensa. Esses mesmos estudiosos têm trazido contribuições significativas à compreensão da personalidade e da dinâmica dos fundadores e donos de empresas. São contribuições valiosas que podem atuar preventivamente e contribuir para que o sucesso não seja efêmero e sem continuidade.
Nesse sentido, faço uma reflexão: o que efetivamente é sucesso? Ganhar dinheiro, construir um belo patrimônio ou, mais do que isso, realizar uma obra cujo legado valha a pena ser preservado através de gerações? Pensando dessa forma, não basta fazer uma bela empresa. Cabe aqui citar o alerta de Peter Drucker, reconhecidamente o maior pensador no campo da administração: “Os deuses concedem quarenta anos de sucesso empresarial a quem eles querem destruir”. É preciso também “construir” uma família solidificada por valores (exemplos) dos quais possam se orgulhar e que, então, queiram preservar. Para ir um pouco adiante, é preciso também garantir uma “sociedade viável” para as gerações sucessoras, sustentada por mecanismos adequados (já razoavelmente estudados e dominados).
Infelizmente, muitas vezes o próprio dono atrapalha o negócio e a viabilidade das relações societárias futuras. Com relação à primeira parte, a revista HSM Management publicou em sua edição número 7, de março-abril de 1998, um interessante artigo a respeito, de autoria de S. D. McKenna. Analisando um caso, o autor atribui as dificuldades do negócio às características do fundador: necessidade de controlar, sentimento de desconfiança, necessidade de receber aplausos e operações defensivas. No primeiro caso cita um artigo de Manfred Ketz de Vries (Can You Survive an Entrepeneur?) que trata da necessidade de controle dos fundadores e da sua dificuldade em trabalhar com estruturas que não criaram. Não é por acaso que a falta de organização é identificada como a primeira crise da empresa. O empreendedor tem facilidade para desenvolver soluções de negócio, isto é, bens e serviços que atendam necessidades dos seus clientes, mas não sabe, à medida que a empresa cresce, lidar com esse crescimento, lidando com a complexidade decorrente.
Também não se adapta a modelos que não criou, pois não sabe como manter o controle numa estrutura que não criou e não domina, mas que lhe é indispensável. A necessidade de controlar leva à segunda característica: desconfiança. Por medo de se tornar vítima, está sempre à procura de evidências que confirmem sua “predisposição à suspeita”. Para McKenna essa predisposição se manifesta de duas maneiras: protegendo-se contra “comportamentos indevidos” (considerados prejudiciais) e contra à contestação da autoridade. Daí se cercarem de pessoas “leais”, que facilmente se transformam em “lacaios”, o que leva também ao surgimento de uma contra-cultura.
A necessidade de receber aplausos se origina “na necessidade de mostrar aos outros que são importantes e não podem ser ignorados”, nas palavras de De Vries. O fundador necessita de construir uma identidade através da empresa, para então ser reconhecido e valorizado socialmente (muitos fundadores iniciam suas empresas vindo de situações familiares muito adversas, não só do ponto de vista social, como também em relação às questões afetivas). Miguel Gallo, professor e consultor do IESE na Espanha, diz que os fundadores têm dois sentimentos fundamentais: a sensação de status heróico e de missão heróica. No primeiro caso, imaginam que o poder conquistado lhes garante uma posição de poder comparada à dos heróis e, no segundo caso, imaginam que exercem um papel na sociedade que só eles têm condições de exercer, o que lhes dá a noção de que são privilegiados nesse sentido.
Finalmente, ainda segundo De Vries, são três os tipos de operações defensivas a que recorrem os empresários: extremismo, vêem tudo como muito bom ou muito ruim; projeção, achando “bodes expiatórios” para os problemas internos e; transformação de passivos em ativos, isto é, sempre que agem as coisas ficam bem (como se tivessem a capacidade de resolver tudo), na mesma linha da noção de missão heróica. Ou, então, tornam-se passivos vendo tudo pelo lado negativo quando não têm as soluções, quando não sabem resolver os problemas.
A profundidade o perfil, o estilo e a psicologia dos fundadores são três dimensões de análise dos fundadores. No que se refere ao perfil, normalmente são carismáticos, estão sempre ocupados, são intuitivos e emotivos. Muitas vezes são autoritários, principalmente pelas dificuldades nas relações com a figura masculina (pai), ao mesmo tempo que são paternalistas, forma bastante eficaz de obter lealdade. Psicologicamente, sentem orgulho das suas empresas, mas ela sempre representa o preenchimento de vazios psicológicos. A forma como lidam com o sucesso está diretamente relacionada a isso e daí decorrem elementos fundamentais nas motivações e possibilidades de transformar sua obra num legado a ser preservado e que transcenda sua existência.
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