*Volnei P. Garcia Diretor da Cedem e Consultor de empresas familiares
As empresas familiares formam a base da economia no Brasil e no mundo. Famílias tem o controle da grande maioria das empresas.
Empresas familiares quase sempre tem origem no sonho ou na necessidade de um fundador e, à medida que vão crescendo, geram riqueza para seus proprietários e para a sociedade, incluindo empregos, impostos e uma série de outros intangíveis. O tamanho da riqueza gerada com muita frequência supera as expectativas e o imaginário do fundador quando da sua criação. O criador não controla a criatura e esta adquire dimensão que vai além da sua geração.
As empresas familiares são organizações que tem ciclo de vida, assim como seus fundadores. O tempo deixa suas marcas nas três dimensões que há quarenta anos servem de referência para compreender a dinâmica das empresas familiares: família, propriedade e negócio. Na perspectiva da família, o que vamos observar ao longo do tempo é a chegada dos filhos e netos à idade adulta, buscando oportunidades e querendo trabalhar na empresa. Na dimensão societária, de acordo com as regras do direito de propriedade, os herdeiros se tornarão sócios. Na lógica do negócio, a necessidade de sustentação da competitividade e, provavelmente, o desejo de crescimento. No mundo ideal essas três dimensões estariam bem diferenciadas e não impactariam negativamente uma na outra.
Mas esta separação família – propriedade – negócio, de forma natural, já vem comprometida ao longo do tempo. Se buscarmos evidencias, veremos que desde o início o caixa da empresa e o dono se misturaram, que a entrada dos filhos e agregados na empresa foi antes de tudo por serem familiares e que a distribuição do dinheiro muitas vezes se deu mais pela necessidade de renda dos membros da família do que pelo valor do cargo que ocupam e independente de sua qualificação. Sem contar que muitas vezes os conflitos – conscientes ou inconscientes, próprios das relações familiares, se reproduzem no ambiente do negócio. Precisamos deixar claro que o conflito é inerente à condição humana. É natural que os conflitos aconteçam. Em geral eles têm fundo emocional – disputa pelo afeto de pai e mãe, por exemplo, mas também surgem de interesses objetivos, muitas vezes misturados. O dinheiro e o poder são provavelmente os principais fatores.
O fundador controla esses conflitos, percebe os riscos e tem legitimidade para arbitrar as diferenças. Porém, muitas vezes não percebe os seus próprios conflitos e que estes podem comprometer o futuro da empresa. A matéria prima aqui é suficiente para várias teses. Mas, seja na geração do fundador ou nas seguintes, negar os conflitos ou postergar seu enfrentamento não é a melhor estratégia. Muitas famílias empresárias, conscientes dos riscos, tratam de construir acordos societários para definirem as regras do jogo e muitas vezes complementam com a criação dos foros para trazer os conflitos à luz. Compreendem que é melhor trata-los do que deixá-los guardados. Uma analogia usada por uma colega diz o seguinte: os conflitos de uma empresa familiar têm o mesmo efeito de se por um peixe embaixo da mesa e esperar pra ver o que acontece. No raciocínio dela o efeito será o mesmo, vai feder.
O que muitas vezes as famílias empresárias não percebem é que os conflitos não resolvidos destroem valor. Todos conhecemos aquela frase que diz que o dinheiro muda de mãos rapidamente. Famílias pobres ficam ricas e famílias ricas ficam pobres. Quantos casos conhecemos de famílias poderosas e endinheiradas que perderam seu patrimônio e, então seu prestígio, mais rápido do que poderíamos imaginar. Os conflitos não tratados, junto com outros fatores, minam o valor do negócio. Dentro da lógica capitalista o esperado é que a empresa aumente seu valor ao longo do tempo. Mas nem sempre é o que acontece, seja pelas transformações do mercado e a incapacidade da empresa se adaptar a elas ou por fatores ligados à própria empresa, dentre eles os conflitos familiares e societários. Os exemplos são vários, mas trato um deles pra ilustrar: uma tradicional empresa familiar, constituída por duas famílias, passando da terceira para a quarta geração, com participações societárias iguais (50% para cada uma), a partir de diferentes interesses dos ramos familiares, fez com que decisões importantes fossem adiadas por vários anos. Neste tempo, a mudança tecnológica do setor foi muito grande. O conflito existente impediu a empresa de se adaptar a essa mudança, fazendo com que perdesse competitividade, minando seus resultados e inviabilizando o negócio. Essa perda de competitividade quando projetada num fluxo de caixa – para trás ou para frente, mostrou a perda de valor (valuation) da empresa. Sabemos que uma empresa vale o seu fluxo de caixa, ou melhor, a expectativa de seu fluxo de caixa e que esta está diretamente relacionada à capacidade de gestão, incluindo o alinhamento societário, da empresa. As empresas valem mais, nos dias de hoje, pelos seus intangíveis, onde se inclui a competência de gerir, do que pelos seus tangíveis. A existência de conflitos nas dimensões da família e da propriedade (ambiente societário) inevitavelmente impacta na gestão do negócio e isto leva a perda de valor – menor valuation.
A boa notícia é que para os conflitos sempre existe algum tipo de solução. No caso das empresas familiares, não escolhemos a família onde nascemos. Por consequência, na sucessão patrimonial acabaremos sendo sócios de pessoas que talvez não escolheríamos como sócios. Isto é inerente ao contexto. O que podemos escolher é buscar soluções para os conflitos em qualquer uma das três dimensões. Aí estará a saúde que gerará valor para a família, para os sócios e para a empresa. Esta valerá mais, terá um valuation maior, podendo preservar e mesmo aumentar a geração de riqueza para a sociedade e, notadamente, para seus proprietários. Então, que prevaleça o saudável.
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